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Mural dos laboratórios de Farmacologia e Bioquímica da Escola Paulista de Medicina
As Cadeiras de Farmacologia e de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina funcionam em edifício próprio sito à Rua Botucatu, 862, em Vila Clementino, na cidade de São Paulo. No saguão de entrada do prédio existe um mural de 6 metros de comprimento por 4 metros de altura, de autoria de Pietro Nerici, pintor italiano radicado no Brasil faz 10 anos. Executados conforme a velha técnica dos afrescos em que se empregam óxidos metálicos coloridos de mistura com pó de mármore e argamassa, o mural é bastante sugestivo. Começaremos a nossa descrição pelo canto inferior esquerdo onde 3 figuras de primeira grandeza da Medicina brasileira - Osvaldo Cruz, Adolfo Lutz e Gaspar Viana - surgem de Manguinhos, reconhecivel pela sua cúpula mourisca. Ao lado, outro instituto de linhas modernas revela ao observador a influência indutora da célula mater, responsável pela maioria dos centros de pesquisa biológica existentes no nosso País. O papel desempenhado pelo Instituto Osvaldo Cruz no terreno da Saúde Pública é calcado na cena das crianças brincando ao ar livre. Aquela vilazinha dependurada no morro lembra a origem de muitos que aqui trabalham e que na sua infância, sem preconceitos de cor, brincaram com arco, jogaram bola de panos ou empinaram papagaios.
À esquerda, em cima, Lacerda e Couty estudam efeitos de plantas. João Baptista de Lacerda (1846-1915) foi o fundador do primeiro laboratório de Fisiologia existente no Brasil e Louis Couty (1854-1884), aluno de Vulpian, um dos primeiros a estudar, entre nós, os efeitos do café. Ambos acompanham o registro gráfico da pressão arterial do cão. Foi escolhido de propósito o assunto dada a natureza dos trabalhos experimentais aqui realizados. De um lado aspectos microscópicos do rim e de lesões renais encontradas, p.ex., na hipertensão experimental hormonal, e de outro lado, numa lembrança histórica, Stephen Hales (1677-1761) determinando pela primeira vez, experimentalmente, a pressão arterial carotidiana num equídeo.
A direita, em cima, Lavoisier (1743-1794), assistido pela esposa a redigir o protocolo das observações, estuda as trocas respiratórias numa antevisão do que significam hoje para a Clínica Médica e a Semiologia as modernas técnicas da Bioquímica. Mais à direita, cortes e desenhos mostram a importância da Endocrinologia. No alto a representação esquemática da adenohipófise com seus três tipos celulares, a secreção de gonadotropinas, o endométrio, as gônadas, a genitalia, a lactação e a gestação. Mais à direita o aparelho tiroparatiroidiano, e à esquerda o galo normal e o capão dentro do ovóide testicular. Inferiormente o timoneiro lembra o ciclo dos navegantes portuguêses, o perigo do escorbuto e o alcance da Vitaminologia. As nossas frutas ricas em ácido ascórbico, o pombo com beri-berí e a representação de cristais de tiamina chamam de novo a atenção para o papel das vitaminas. Terminando a volta do painel, como se tivéssemos seguido a marcha dos ponteiros de um relógio, a obtenção do curare pelos índios do Amazonas e o consequente emprego dos bloqueadores ganglionares em Cirurgia a reviver a senda da Farmacologia desde o uso primitivo até o emprego racional e científico de novos medicamentos.
O estudo das plantas, inclusive medicinais, feito pelos naturalistas que correram os nossos sertões e que tantas lições nos legaram, vem lembrado na figura de Barbosa Rodrigues (1842-1909) e de sua esposa quando, em missão do Governo Imperial, exploravam o vale do Amazonas. Junto às palmeiras o ramo de café e dentro do hexágono a esquematização da tecnologia industrial, sugestivos da potência e das realizações paulistas. No centro do mural o hexágono do benzeno - símbolo da Química dos organismos - reúne todos esses episódios das ciências fisiológicas e da nossa Medicina. Finalmente, a dominar todo o painel, a figura austera de Claude Bernard (1813-1878), lídimo representante do espírito latino e fundador da Medicina Experimental. A seu lado a esquematização da fórmula da glicose, do glicogênio no fígado e do ciclo de aproveitamento energético dos hidratos de carbono. A proposta para execução de um mural no saguão do novo edifício dos Laboratórios de Farmacologia e Bioquímica foi aprovada pelo Conselho Técnico Administrativo da Escola Paulista de Medicina na reunião ordinária de 20 de junho de 1956 presidida pelo Sr. Diretor Prof. Dr. José Maria de Freitas, secretariada por D.Ida Paulini e com a presença dos Conselheiros: Profs. Drs. Felício Cíntra do Prado, Jairo de Almeida Ramos, João Moreira da Rocha, Walter Pereira Lesser e Marcos Lindenberg.
Aprovada a idéia de um mural que aduzisse episódios da história da Medicina mais ligados a nós latinos e brasileiros passamos, Paiva, Nerici e eu a imaginar as cenas e a consultar a livros e monografias (1-8). Além da pura criação artística, algumas cenas éram calcadas de gravuras conhecidas. Assim a que representa Hales medindo a pressão arterial carotidiana da égua foi sugerida de uma gravura do livro de Bettmann e Hench e de Lavoisier e sua esposa, da gravura do livro de Holmyard. Na época em que foi pintado o mural ainda não conhecíamos o retrato de Couty que aparece sem a barba nazarena. O pintor não deixou de se representar como Osvaldo Cruz; a figura do cirurgião é a de um de nossos assistentes entre as crianças vêem-se representados filhos dos professores de Farmacologia e de Bioquímica. Barbosa Rodrigues, Lavoisier e as respectivas esposas podem ser tomados ainda como alusão ao fato de que vários casais trabalham nestes Laboratórios. Durante quatro mêses Pietro Nerici trabalhou com dedicação e entusiasmo na execução desse mural. Isto constituiu para todos nós exemplo do que vale colocar a alma inteira na concretização de um plano fiel e pacientemente elaborado. Diz o pintor que o mural durará enquanto subsistirem as paredes deste edifício. Enquanto sobreviver a Escola Paulista de Medicina terão os nossos alunos nesse mural a oportunidade de gravarem noções que, ligadas ao passado traduzem, no Campo da Medicina o anseio de progresso inadiável do Brasil no concêrto das nações civilizadas.
O PINTOR Pietro NERICI nasceu em Lucca, na Toscana, aos 18 de setembro de 1918 e desde cedo começou a pintar influenciado e guiado por seu pai, também artista de mérito. Diplomou-se em 1941 pela Real Academia de Belas Artes de Florença onde trabalhou ativamente sob a orientação de Felice Carena. No mesmo ano recebia o 1º Prêmio para afrescos na Exposição Nacional de Bolonha. Seguiu cursos de aperfeiçoamento em Roma e Milão e tomou parte em divesas exposições, por exemplo em Viena, Dusseldorf, Berlim, Roma e Nápoles. Entre os vários afrescos que executou na Europa, inclusive em sua cidade natal, merece referência especial a "última Ceia" existente no moderno convento dos Carmelitas Descalços, de Capannori, entre Lucca e Florença. Casou-se em 1944 com Virginia Tambellini, norte-americana, filha de emigrantes italianos residentes em Pittsburg, na Pensilvânia. Em 1948 veio o casal para o Brasil fixando residência em São Paulo. Pietro Neriri já têm vários trabalhos executados nesta Capital, por exemplo, no hall do Hotel Flórida, do Banco Italo-Brasileiro, do Cine Paissandu, da Companhia Elevadores Atlas, e na capela particular do Sr. Cardeal-Arcebispo de São Paulo. Trabalhou também em Belo Horizonte, Santos e Campinas. Além do afresco no saguão dos Laboratórios de Fermacologia e Bioquímica fez na Escola Paulista de Medicina "O Bom Samaritano", na entrada do Pavilhão de Residência das Enfermeiras do Hospital São Paulo. Extraído do número de setembro de 1962 da Revista "O Bíceps" anoXXIII, número 27, páginas 40-41 Cortesia do Prof. Dr. Durval Rosa Borges
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